O estudo das origens e do desenvolvimento das cidades, enquanto objeto analítico, vem despertando um grande interesse por parte das ciências sociais. A importância do tema para estas disciplinas fica a dever-se, sobretudo, às relações que existem entre o desenvolvimento urbano ao longo dos tempos e a evolução das sociedades e das relações sociais.
Quando falamos das cidades que são hoje conhecidas como as mais antigas do mundo referimo-nos ao período Neolítico, mais concretamente entre os anos 9.000 e 7.000 a.C., momento histórico em que se deu a passagem das sociedades de caçadores-recoletores para sociedades sedentárias e agrícolas. Foi com o Neolítico que surgiram alguns processos como a sedentarização dos povos, a domesticação de plantas e animais e a invenção da cerâmica.
Neste período nasceram aquelas que se pensa hoje serem as duas cidades mais antigas do mundo: Jericó (na Palestina, próximo do rio Jordão) e Çatal Huyuk (na Anatólia, no sul da atual Turquia). Devido à sua dimensão, estas duas primeiras cidades seriam hoje em dia consideradas apenas grandes vilas ou pequenas cidades. No entanto, elas constituem referências fundamentais na história da urbanização e do urbanismo.
Jericó
Os resultados das escavações efetuadas em Jericó constituem importantes desafios àquelas que eram as teses mais convencionais sobre a origem das cidades: as teses que situavam as primeiras cidades na região da Mesopotâmia (ex.: Ur, Uruk, Kish, Lagash), por volta de 3500 anos a.C.
As descobertas arqueológicas em Jericó apontam as origens desta cidade para os anos 8.000 a.C. Numa primeira fase, datada justamente de 8.000 a.C., os registos arqueológicos revelam a existência de um conjunto de casas circulares, construídas com adobe, ocupando uma área de cerca de 4 hectares.
É hoje sabido que a rápida expansão deste aglomerado populacional – que contava com cerca de 600 pessoas – foi acompanhada pela construção de uma muralha e de uma torre: dois elementos que materializam a construção social de um espaço bem delimitado e confinado.
Por volta de 7.000 a.C., novas populações, tecnologicamente mais avançadas ter-se-ão fixado na cidade, o que levou, por um lado, à construção de casas maiores, agora retangulares e agrupadas à volta de pátios e, por outro, à construção de novas muralhas defensivas, novas torres e de uma grande vala em torno das muralhas. Estes trabalhos de construção e de transporte de materiais apontam para a existência de uma mão de obra considerável e bem organizada.
Este foi ainda um período marcado pelo desenvolvimento de sistemas de irrigação e de cultivo, assim como de intensificação de redes comerciais com outros povoados. Neste sentido,alguns autores sugerem que Jericó seria um espaço concretamente definido pelas muralhas, emergindo como uma unidade territorial, económica, social e política capaz de criar uma cultura urbana e regional. espacialidade para as ciências sociais.
A cidade de Jericó seria abandonada por vota de 1500 a.C.
Ao contrário de Jericó, que sempre conhecemos, a cidade de Çatal Hüyük só foi descoberta no final da década de 1950, na Península da Anatólia, na Turquia. As suas escavações começaram um pouco mais tarde, em 1961. A partir daí, a cidade rapidamente ficou famosa devido a vários motivos:
‒ à sua grandeza;
‒ à densidade de ocupação do solo;
‒ ao grande número de população existente – cerca de 6.000 pessoas;
‒ às pinturas existentes nas paredes;
‒ às várias formas de arte encontradas dentro das casas.
Mas o motivo principal é, porventura, o facto de Çatal Hüyük ser uma das cidades mais antigas do mundo, datando de cerca de 7.000 AC, em pleno período do Neolítico.
Ao contrário de Jericó, Çatal Hüyük não era circundada por muralha, o que indica um carácter pacífico da população que aí habitava.
Toda a cidade era constituída por espaços domésticos, habitações, não se tendo encontrado qualquer vestígio de um edifício dedicado a usos públicos.Há somente indício de uma praça pública, que possivelmente serviria de mercado e vários pequenos átrios que serviriam para depositar lixos. A cidade possuía sistemas de escoamento de esgoto e canalização da água da chuva, o que lhe confere um cariz extremamente avançado em termos tecnológicos e culturais.
Çatal Hüyük não tinha quaisquer ruas ou caminhos, por isso as comunicações faziam-se pelos terraços das casas, por cima das habitações, provavelmente como forma de proteção contra os animais selvagens. Dada a inexistência de portas viradas para o exterior, o acesso às habitações efetuava-se também pelo telhado, por uma escada de madeira junto à parede.
As casas eram contíguas umas às outras – dada a inexistência de ruas – retangulares, com cerca de 25 metros quadrados cada, construídas em adobe e madeira. Possuíam algumas divisões, tendo áreas separadas para cozinhar e dormir. As paredes internas tinham pinturas – cenas de caça, vulcões em erupção – e crânios de touros pregados.
Museu Hittite, Ankara, Turquia. Foto da autora.
Estes lugares, agora chamados santuários, e as muitas evidências do enterro de entres queridos sob o piso das casas, mas também a descoberta de figuras representando animais e mulheres, levam a crer que o povo de Çatal Hüyük era extremamente ritualizado. No seu complexo sistema de crenças, a mulher e o touro parecem ocupar um lugar central. Provavelmente, Çatal Hüyük organizava-se tendo o Feminino, a Mãe, como o centro dos seus padrões sociais, mas não sendo submetida à sua força. Era uma estrutura horizontal, como revela a sua arquitetura, e não hierárquica piramidal.
Algumas reconstruções do espaço urbano de Çatal Hüyük fornecem também um conjunto de informações valiosas acerca da divisão social e espacial do trabalho: à criação de gado e ao trabalho agrícola vem associar-se uma mão de obra composta por um grande número de artistas, artesãos e comerciantes. De particular relevância para a história deste espaço urbano foi a descoberta de um mural encontrado num dos santuários da cidade, representando a paisagem urbana de Çatal Huyuk.
O mural revela com grande detalhe uma panorâmica da cidade e constitui o primeiro fresco do género na história da humanidade.
Atualmente, as recreações das casas e alguns artefactos podem ser encontrados no Museu Hittite em Ankara, a capital da Turquia.
Atualmente, há cidades no mundo com 20 milhões de habitantes, daí que não seja difícil imaginar uma cidade com 6 mil pessoas. Mas o que torna Çatal Hüyük interessante é o facto de cerca de 7.000 anos antes de Cristo ter existido uma cidade com cerca de 6.000 habitantes – cidade que se formou, provavelmente, devido a crenças religiosas e não à necessidade de sobrevivência.
Hoje as escavações continuam, contribuindo para aumentar a compreensão dos padrões sociais da população desta cidade. Çatal Hüyük representa uma mudança radical e revolucionária no desenvolvimento social e espacial das sociedades humanas. E, tal como Jericó, permite a exploração dos primórdios do desenvolvimento urbano e da cultura urbana como um novo modo de vida até então desconhecido.
2 Comentários
Oi!Eu queria saber mais sobre a divisão urbana,divisão social e a subsistência de Çatal huyuk,poderia comentar porfavor?
Gostei muito do seu artigo, parabéns. 19968736