A partir de 3500 a.C., mais de mil cidades surgiram no noroeste do subcontinente indiano estendendo-se pelos atuais Paquistão, parte da Índia e Afeganistão. Harappa, o primeiro sítio escavado, batizou essa enorme sociedade de Civilização Harapense ou Harapeana. Ela floresceu no vale do rio Indo e do agora seco Rio Sarasvati e seus afluentes
cobrindo uma área de 1,25 milhões de km2 o que a coloca como a civilização antiga de maior extensão geográfica do mundo. No seu auge, entre 2.600 a.C. a 1900 a.C., pode ter tido uma população de mais de 5 milhões de pessoas.
Primeiras descobertas
As ruínas de Harappa foram descritas pela primeira vez em 1842 pelo aventureiro britânico Charles Masson, mas, somente em 1856, quando engenheiros britânicos estendiam os trilhos da East Indian Railway Company elas despertaram interesse utilitário: seus tijolos duros e bem queimados foram usados na construção da ferrovia.
Em 1872, o engenheiro e arqueólogo britânico Alexandre Cunningham publicou o primeiro selo de Harappa. Mas ainda levaria meio século para Harappa ser escavada (1922) e, dez anos depois, Mohenjo-Daro, mais ao sul.
As descobertas surpreenderam os pesquisadores que encontram cidades planejadas e tecnologicamente avançadas em metalurgia, sistema de escrita, padrões de medida etc. Os trabalhos arqueológicos entraram em ritmo acelerado. Após a independência, em 1947, a maior parte dos achados foi herdada pelo Paquistão que deu continuidade ao trabalho.
Em 1999, haviam sido encontrados 1.056 cidades e assentamentos, dos quais somente 96 foram escavados. Destes, os principais são: Harappa, Mohenjo-Daro (Patrimônio Mundial da Unesco desde 1980), ambos no Paquistão; Rupar, Lothal e Rakhigarhi na Índia.
Rakhigarhi, no noroeste da Índia, situado próximo ao leito seco do rio Sarasvati, é considerado o maior sítio harapeano, com 350 hectares ou 3,5 km2 enquanto Harappa e Mohenjo-daro têm, respectivamente 200 e 150 hectares. É, também, o mais antigo, com datações entre 6000 e 5000 a.C. o que leva à hipótese de que Rakhigarhi foi o núcleo inicial da civilização harapeana e de onde ela teria se expandido para o vale do Indo.
Início da civilização
O vale do Indo e do Sarasvati começaram a ser ocupados por aldeias neolíticas por volta de 7.500 a.C. (cultura pré-Harappa).
A civilização harapeana teria tido seu aparecimento por volta de 3500 a.C. passando por 3 fases:
- Harappa anterior: 3500 a 2600 a.C. (primeiros exemplos de escrita)
- Harappa madura: 2600 a 1900 a.C. (apogeu)
- Harappa posterior: 1900 a 1400 (declínio)
As descobertas da cidade de Rakhigarhi, contudo, estão causando uma reviravolta nos estudos e nas teorias até agora aceitas pelos especialistas. A cronologia e a geografia da civilização harapeana certamente serão revistas.
Cidades planejadas
A civilização de Harappa foi a primeira do mundo a desenvolver um projeto urbano. As cidades possuíam avenidas largas e quarteirões geometricamente exatos. Os tijolos de suas construções seguiam um padrão de medida.
O mais surpreendente era a preocupação com o acesso à água e o saneamento. Os harapeanos desenvolveram uma engenharia hidráulica única no mundo da época. Individualmente ou em grupo, todas as casas eram servidas por poços de água. Possuíam, também vasos sanitários ligados a um canal de esgoto comum, coberto com lajes de pedra, e que percorria toda cidade.
Os antigos sistemas de água e esgoto das cidades harapeanas eram muito mais adiantados que civilizações contemporâneas e mais eficientes do que os existentes hoje no Paquistão e na Índia.
Na parte alta da cidade, havia uma piscina provavelmente utilizada para banhos públicos (um ritual?) com uma escadaria que permitia descer até seu interior. Este tipo de escada, em geral escavada na rocha, ainda é comum nas construções indianas.
As cidades eram muradas mas nada indica que essas estruturas fossem defensivas. As muralhas deviam servir para proteger a população de inundações.
Sociedade igualitária
Embora algumas casas fossem maiores do que outras, as cidades harapeanas não fornecem pistas sobre diferenças sociais. Não foram encontradas construções de palácios, templos ou um centro de poder.
Há uma uniformidade extraordinária nos artefatos e adornos pessoais que não permitem distinguir ricos e poderosos de pobres e subalternos.
A sociedade harapeana parece ter sido igualitária e com baixa concentração de riqueza.
Conhecimentos e tecnologia
A civilização harapeana foi uma das primeiras a desenvolver um sistema de pesos e medidas padronizado. Uma régua de marfim encontrada em Lothal (a mais antiga régua conhecida), está dividida em 1,7 milímetros, a menor divisão já registrada em uma escala de medida da Idade do Bronze. Os pesos de sílex tinham como unidade padrão 28 gramas.
Os harapeanos desenvolveram técnicas de metalurgia do cobre, bronze, chumbo e estanho.
O estudo realizado em nove esqueletos encontrados no sítio de Mehrgarh, no Paquistão, datados de 7500-9000 anos atrás, revelou que eles possuíam coroas molares perfuradas feitas nos indivíduos em vida. O estudo foi publicado na revista Nature, em abril de 2006.
As estatuetas de “bailarinas”, figuras femininas em aparente pose de dança, também surpreenderam os especialistas. Feitas de bronze, ouro ou terracota elas mostram uma modelagem de pernas e braços representando movimento que, até então, só fora conhecida no período helenístico da Grécia.
Miniaturas de carros puxados por bois ou búfalos, possivelmente brinquedos, revelam que a civilização harapeana pode ter sido a primeira a utilizar transporte sobre rodas.
Possível sistema de escrita
Foram encontrados entre 400 até 600 sinais diferentes gravados em selos de terracota, potes de cerâmica e outros materiais. As inscrições, contudo, são sempre pequenas, em geral utilizam 4 ou 5 caracteres. A mais longa sobre uma superfície única tem 17 sinais. Foi encontrada uma inscrição em um objeto com três faces com 26 símbolos.
Essa característica levantou dúvidas: seria, de fato, um sistema de escrita ou seriam marcas de nomes de família, clãs, deuses ou fórmulas religiosas?
Além de curtas, as inscrições trazem combinações diferentes de símbolos tornando impossível obter uma interpretação. Faltam sequências mais longas e repetidas. Além disso, numerosas peças com inscrições desapareceram, perdidas ou roubadas, delas restando somente fotografias feitas nas décadas de 1920 a 1940. Essas dificuldades mantêm a escrita harapeana indecifrada.
Relações comerciais
Em contraste com as civilizações da Mesopotâmia e do Egito, sempre em conflito com povos vizinhos, os harapeanos tinham boas relações com os povos que habitavam as colinas e montanhas ao redor do vale do Indo e de Sarasvati – locais ricos em minerais e pedras semipreciosas como cobre, sílex de excepcional qualidade, jade, lápis-lazúli e turquesa.
Milhares de selos (pequenas placas de argila) foram encontradas nas cidades harapeanas. Eles trazem figuras de animais e humanas além de inscrições. Serviriam de carimbos para marcar os sacos de cereais e algodão? As inscrições marcariam o nome de seu proprietário ou da família?
Muitas dessas placas foram encontradas na Mesopotâmia indicando a existência de um comércio entre harapeanos e sumérios, acadianos e babilônios, realizado pelo mar da Arábia em direção ao golfo Pérsico. Eram comercializados produtos agrícolas, marfim, tecidos de algodão e pedras semipreciosas.
Povos da Ásia Central e do planalto do Irã também estavam na rota das caravanas de mercadores harapeanos, e há evidências de contatos comerciais com Creta e o Egito.
Declínio e desaparecimento
Por volta de 1800 a.C., os sinais de um declínio gradual começaram a surgir e, a partir de 1700 a.C. a maioria das cidades harapeanas foi abandonada.
As razões do colapso da civilização de Harappa foram muito discutidas pelos especialistas.
Em 1953, o arqueólogo britânico Mortimer Wheeler propôs que o fim foi causado pela brutal invasão dos arianos ou árias, tribo indo-europeia da Ásia Central. Como prova, ele apontou os 37 esqueletos encontrados em Mohenjo-Daro e trechos dos Vedas referindo-se a batalhas.
Mas a teoria de Wheeler não se sustentou. Os esqueletos pertenciam a um período posterior ao abandono da cidade e as marcas em seus crânios foram causadas pela erosão e não por agressão violenta.
Falou-se também que a civilização de Harappa desapareceu repentinamente sem deixar rastros. No entanto, dados arqueológicos atuais indicam que muitos elementos dessa civilização podem ser encontrados em culturas posteriores. Alguns estudiosos procuram demonstrar que a religião védica foi parcialmente derivada da civilização harapeana.
Trabalhos recentes têm defendido a teoria de um colapso por razões naturais. Alterações climáticas, mudança das monções (que levavam água às lavouras), mudança no curso de rios (provocada por um terremoto?), erosão e esgotamento do solo são apontados como possíveis causas do abandono das cidades e migração de sua população. Esses fatores teriam levado à crescente escassez de alimentos, à proliferação de doenças e à debilidade física – conforme atestam exames em esqueletos de Harappa.
Se razões naturais provocaram o despovoamento em massa de uma extensa área ocupada havia mais 5 mil anos e com milhões de habitantes pergunta-se, então, que consequência terá a degradação ambiental acelerada que ocorre hoje no planeta?
Fonte:Ensinar História